quinta-feira, 8 de julho de 2010

A U R N A

Cavalguei muitos dias, muitos mundos, muitas gentes. Vi tudo o que um homem pode ver. Senti todos os odores, saboreei todos os sabores, olhei todas as coisas. Abracei todos os momentos. Dormi todos os sonos e sonhei todos os sonhos. Amei muitos amores, nas minhas passagens pelo tempo.

Nasci dono de uma URNA; de cristal. Do mais fino cristal, abrigando dentro de si, o maior de meus tesouros. Não conheço sua origem, apenas sei que a tenho, que me pertence. O continente tem de diâmetro, 18 cm., de base, 22 cm, de altura, 30 cm. O conteúdo pode ser liquido, pó, substancia volátil ou matéria concreta.

Seu exterior é da cor violeta. Tem ao longo de sua altura, pequenos filetes dourados, podendo ser ouro. A base é grande para garantir sustentabilidade, apoio e serve também como elemento decorativo.

Nas minhas passagens pelos becos do mundo, desfrutei varias paixões, pequenos amores, deixei muitos adeuses e lamentei tantas partidas. Chorei a urgência, resignei-me com as estadas, parti para novas experiências. Rasguei os lados ruins da vida, ouvindo o lamento da seda sendo separada de sua banda.

Guardei sempre, com muito zelo, a minha urna, junto ao meu coração. Nunca a mostrei para ninguém. Esperava o momento certo, onde encontraria a pessoa escolhida por Deus. Não podia jogar, como um estróina o faria, no primeiro córrego de águas cristalinas e enganadoras, na esperança de vir a sorver daquele liquido, admitindo ter encontrado o meu caminho d’água. Ainda não havia recebido Dele o sinal de aprovação. Guardei a urna, assim como guardei a mim mesmo.

Um dia surgiu! Na forma de pergaminho, com letras gravadas a cinzel. Abrolhou a palavra de Deus, escrita pela mulher que iria ser, para todo o resto de minha existência, o chamamento para minha, para nossa consagração.

Minha urna estava intacta, inteira, lacrada, ungida, benzida por Deus e pela Virgem Maria. Dentro dela eu guardei até aquele momento o

“MEU AMOR POR DEA.

Anchieta

Amo meu marido: DEA

Loteamento Ebenezer – Gravatá –

Gravatá – 24-01.98.

Amo seu rosto, grande, de feições fortes; amo suas cicatrizes, a forma da mandíbula e o queixo. Amo seus olhos mansos, olhando sem olhar, seus olhos pensantes, seus olhos risonhos. Gosto do cheiro, do perfume e do suor.Gosto do cheiro dele ao fazer amor. Gosto das mãos; do músculo forte do polegar, da forma das unhas, dos dedos, da força com que apertam e da ternura infinita quando me acariciam. Amo esse corpo todo, as costas, o peito, as pernas e os pés.

Gosto e amo tudo a uma só vez.

Adoro quando está calmo, quando pensa, quando me passa suas teorias de vida, da existência e do universo, embora nem sempre consiga entender bem o que está dizendo com metáforas.

Gosto de sentir a segurança que me dá tendo como companheiro.

Acho que tem numerosas virtudes, como por exemplo:

-enfrentar a vida com garra, determinação e audácia;

- levar a cabo seus sonhos e fantasias por mais loucas que pareçam, porque se bem me aterrorizam, sempre no fim acabam dando certo – excepcionalmente – não...

Adoro vê-lo empolgado com a casa, a adega, o jardim; admiro como conseguiu vencer as dificuldades da infância, a dor de um pai ausente, a morte da mãe na adolescência, os traços congênitos de uma família inteligentíssima e complicada da qual é um membro permanente; pois apesar da sua inteligência, que é muita, as complicações psicológicas, complicam os seus juízos de valores, e assim mesmo tem vencidos inúmeras vezes.

Amo, admiro e agradeço a forma como levou adiante a relação com meus filhos, e como hoje, depois de 15 anos, conseguiu que lhe tenham verdadeiro amor.

Amo que me aja ensinado a ser um pouco preguiçosa, menos exigente comigo mesma, que tenha me ensinado a dormir a “siesta” e a me entregar ao amor físico; gosto de que goste de me ver arrumada, bem vestida, bonita e que tenha prazer de me apresentar às pessoas que já sabem que existo e aos que já contou a nossa história de amor.

Dá-me confiança saber que quando tem alguma idéia, vai fazendo tudo para conseguir seus propósitos.

Adoro quando olha para Yves e o amor lhe sobe aos olhos e ao sorriso.

Adoro quando sorri! Gosto de ver seus dentes grandes e da forma dos pômulos e seus olhos pequenos em uma linha, quando ri às gargalhadas. Adoro o som das gargalhadas!

Gosto da voz forte, grave e tão amorosamente suave quando me sussurra palavras “amorosamente obscenas”; amorosamente, repito, no enlevo da paixão.

Gosto quando vai para a cozinha e faz seus macarrões, seus queijos fritos, suas tapiocas.

Gosto de sentarmos à mesa, compartir o pão, o vinho e saber que achou gostoso aquilo que preparei. Sempre é ele o primeiro a comer aquilo que cozinho, e adoro que assim seja, porque estou lhe dando algo bom, que ele saboreia com gosto.

Adoro estar com ele em paz e harmonia e senti-lo sábio, maduro e ingênuo, sem ressalvas.

Admiro profundamente sua capacidade de compreensão e paciência quando estou adoentada e seus procedimentos nas emergências médicas; a sua força, calma, entereza com que trata de mim ou do outro, filho, como por exemplo:quando Moriana esteve com Amebíase grave; Yuri – agora – Larisa para ter o filho, eu quando me operei do seio ou passei no Hospital de Natal, onde perdi nossa filhinha.

Nunca vou esquecer sua dedicação e a esperança, que me dava forças para seguir adiante.

Gosto quando olha para mim e sabe de minhas vulnerabilidades, ou o que está escondido detrás do medo ou das palavras.

Adoro sua atitude quando escuta alguma coisa e guarda no espaço mental, reservado para alguma ocasião especial – por exemplo: uma vez eu disse que sempre gostei de relógio “cuco”, e ele , muito tempo depois comprou um para me fazer surpresa. Cada vez que olho o relógio “cuco” ou o relógio de cúpula do apartamento, vejo sua atitude amorosa e de cuidado e isso me trás alegria e emoção lá dentro de meu íntimo.

Admiro sua paciência infinita quando quero carregar plantas, sementes, etc... livros, quando de nossas viagens.

Adoro dançar com ele, que me leva ao ritmo da música, quando desfrutamos juntos dessa intimidade gostosa que dá o movimento, o som e o ritmo.

Gosto de ver filmes juntos, encostar-me nele e entender as mesmas coisas sem precisar falar nada; é como se nossas mentes fossem uma só.

Adoro dormir juntos com as pernas encostadas, sentindo um a pele do outro.

Agradeci e amei sua atitude quando me deu apoio, confiança e ajuda na doença e morte de minha madrinha e de meu pai.

Adoro viajar juntos, ver cidades e parques, restaurantes e tudo o que outras culturas têm para oferecer; sentar-nos, contemplar, comentar, desfrutar juntos, de tudo com a mesma intensidade e o mesmo entusiasmo – deixando fluir idéias, pensamentos, apreciações.

Adoro sua capacidade para criar documentos, papéis, ordens de pedido, orçamentos, sei lá, tudo o que é burocrático e que eu não tenho a mínima facilidade.

Divirto-me com suas piadas, suas fantasias eróticas, seus lances de jardineiro, horticultor, marceneiro, construtor e tudo o que tem sido sua vida.

Admiro como tem capacidade para tudo o que se propõe fazer com seriedade e como consegue levar adiante seus planos mais incríveis.

Acho admirável como se preocupa comigo e faz todo o possível para me dar o que quero, o que advinha que quero, e como me ajuda a compartilhar com minha família, momentos inesquecíveis, tais como, os quinze anos de Yuri em Bariloche ou na formatura de Larisa em Limeira ou o Natal em Gravatá.

Me deixa muito grata ver que é caprichoso com o jardim, os caminhos, os muros, enfim, tudo o que faz para deixar nossa casa melhor.

Gosto de ver-lhe bem vestido, perfumado, barbeado, elegante, e também de jeans trabalhando, fazendo, resolvendo.

Amo este homem por estas e mil razões a mais que não se podem explicar; como ele mesmo diz: amor não se pensa, se sente.

Teria muito mais para dizer, porém, seria talvez muito longo e não sei se é bem isso que você, Yascara, quer de mim.

Outro dia escrevo a outra parte que acho bem mais difícil de fazer.

VIRTUDES SEM EXPLICAÇÕES:

Inteligência;

Tenacidade;

Audácia;

Compreensão;

Interesse;

Imaginação.

Dea Cirse Garcia Coirolo Antunes.

sábado, 3 de julho de 2010

VÔ, A PADARIA ESTÁ ABERTA?

É o que minha netinha Letícia me pergunta todos os dias depois que me pede umas moedinhas. Ela gosta de comprar balinhas, pirulitos e outras guloseimas.

_Vô, tem moeda?

_Pra que você quer moeda?

_Pra que sim!

Esta resposta anula todas as minhas dúvidas, inda mais considerando que já sei pra que ela quer moedas. O que acho interessante é que ela primeiro pergunta se a padaria está aberta. Isto significa que se eu disser que não está, ela não pede moedas. Que atalho fantástico para uma criança com três anos!

Depois que recebe as moedas, pergunta?

_Vozinho (já não é Vô, e sim vozinho, como que agradecendo com carinho) o senhor me leva?

_Não posso porque vou ver o jogo da copa...

_Rose pode ir comigo? (Rose é a nossa empregada)

_Pergunte a ela?

_Roooseee! Vovô mandou você ir comigo a padaria.

Com esta idade já sabe dar ordens. Eu mandei perguntar, e não que Rose fosse com ela. Como ela faz o que quer comigo, deixo passar...

Todos os dias de manhã vivemos este roteiro, o que acho ótimo, e quando ela não vem, mando Rose buscá-la. Aos domingos ela vai com Nalvinha, a mãe, para as casas da avó materna e das tias, não sem antes vir nos dar um beijo e dizer:

_De noite eu vejo vocês...

_Vá, meu amor e se divirta bastante, dizemos eu e Dea.

_Vovô, quero fazer xixi

_Lele, este departamento é com sua avó

_Vovô, tô com fome

_Lele, este departamento é com sua avó

_Vovô, to com um dodói no dedo

_Lele, este departamento é com sua avó

Vovó Dea tem mais departamentos que repartição publica... e cuida de todos com esmero e muito carinho.

Fomos levá-la para tomar vacina e eu quase que me acovardo. Como eram só gotinhas me atrevi a entrar com ela no colo. Ela não queria e me abraçava com a força do medo.

_Meu amorzinho, são só duas gotinhas, não vai doer nada.

Consentiu, ainda que apavorada. Depois dizia

_Vô, não doeu nada...

_Não doeu porque você é uma menina valente!

_Sou, né?

_Claro. Valente e linda.

_Vô, não tem mais vacina, né?

_Tem não, meu amor. Menti. Tinha aquela com agulha na perninha. Para esta, mais que ligeiro, transformei em “DEPARTAMENTO DE DONA DEA” e caí fora. Sou covarde mesmo, que fazer?

Dea é mãe de muitos filhos; eu nunca fui mãe!!!...

Esta criaturinha linda, que só tem três anos e nove meses, hoje, pela primeira vez, aqui em casa, ESCREVEU SEU NOME – Letícia. Diga se não é pra chorar... eu chorei, e daí?

Enquanto houver moedas neste país, ela vai continuar indo à padaria...

Anchieta

UM PONTO NO SOLO E UMA PEDRA LANÇADA

Assim começa a peleja, depois dos vibrantes e sonoros “HINOS NACIONAIS”. Um olho no arco adversário e o outro na conta bancaria. Vamos suar as camisetas, afinal não somos nós que as lavamos! Temos que justificar nossa presença nesta arena repleta de sofredores entusiastas e esperançosos. Se der para ganhar, ótimo, se não, nossos contratos já estão firmados.

Milhões ou bilhões foram acarreados na preparação dos espetáculos. Nós somos “o espetáculo”... Muitos trabalhadores foram felizes por um ou dois anos, durante as construções. O leite dos meninos estava garantido... O sorriso bailava em cada expressão. A população negra juntou-se à branca em jubiloso congraçamento. Todos os atos de bondade e coragem são admitidos.

Mandela reviveu e a cada dia ficava mais jovem. Morreu a neta..ah! era apenas uma neta... A imprensa tinha a obrigação de notificar. Notificou...vamos ao que interessa, ou seja o vil metal. Tem muito do nosso tempo, esforço, tecnologia e - PATROCINADORES – em jogo. O jogo jogado no gramado é apenas o engodo da paixão.

Os corações latejam em cada peito, a expectativa libera o fausto, a magnificência transita pelas esquinas do opulento espetáculo coletivo. Festa, festa, festa... Não há razão para mal humor ou pessimismo. A bebida está liberada, a comida, idem, os hotéis luxuosos esmeram-se no atendimento. Sim! É a preço de ouro, mas pra que fazer economia neste momento de euforia? Depois do ultimo silvo, vamos esperar mais quatro anos; de economia, de preparação, de roupas esdrúxulas, de mascaras bizarras; é a ocasião propicia para nos expormos, mostrarmos quem somos por dentro, porque por fora é apenas a casca, a armadura do dia a dia.

A televisão, o radio, revistas, periódicos, construtoras, multinacionais, as grandes marcas e “grifes famosas” - todos saem ganhando, até mesmo o pobre trabalhador. Se o sarau é universal, por que não usufruí-lo? Se é um momento surreal, dele temos que participar, marcar nossa presença, deixar assinalada nossa personalidade, apontar no solo estrangeiro nossas pegadas, como que dizendo, “estive aqui” e participei de todo o evento.

O ganhador não se restringe ao único que levanta a ‘TAÇA”. Todos são vitoriosos, exuberantes e satisfeitos pela participação no lance da CATEDRAL das vaidades afloradas, sob o sol ameno, do clima fresco de ventos ondulantes. As cabeleiras louras, negras e brancas espargem seus fluidos viscerais, impregnando a todos que por ali vagueiam. Passa a existir uma fraternidade momentânea que nivela até mesmo os mais desprotegidos.

A festa ecumênica onde se adora uma bola que tem vida própria e os pés dos contendores. O bezerro de ouro que os impacientes moldaram para suprir a falta de um DEUS presente para ser adorado.

Depois, naquele país distante para nós, o quadro é revertido para a solidão, para o desconforto do trabalho escravo, para o esquecimento dos promotores da salada de idiomas e opiniões. Cai a noite e os refletores não se acendem nos estádios soturnos, porque não há mais espetáculo nem motivo de ganância.

Quem ganhou, ganhou, quem perdeu, também ganhou. Todos ganharam; até o esquecimento, porque outras batalhas precisam ser montadas para gáudio dos organizadores da arena dos gladiadores.

Foi lindo, maravilhoso, espetacular, magnificente, exultante, alegre e triste, só dependendo da nação de origem.

Que venham mais COPAS – mais trabalho, mais entusiasmo, alegria e o leite dos meninos.

Anchieta

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Monarquía Tupiniquim

Vou começar a deambular pelo nosso querido Brasil; o país dos “REIS” e “IMPERADORES”. Certamente vocês estão pensando na era da colonização, quando os monarcas portugueses, fugindo de Napoleão, deram com os costados em nossas praias. Pode até ser, mesmo porque aqueles eram autênticos e os nossos atuais nós criamos, talvez por saudades dos nossos irmãos lusitanos. A direfença entre as duas épocas é que os atuais são mais glamurosos e dispõem de meios de comunicação para a difusão de suas imagens monárquicas!

Vou citar alguns poucos que lembro: Roberto Carlos - o Rei dos cancioneiros; Luiz Gonzaga - o Rei do baião; Pelé - o Rei do futebol; e Adriano - denominado pelos italianos como – Imperador. De que ou de onde, não sei! Acho que nem ele sabe... Falcão, conhecido como o “REI DE ROMA” ... e ainda temos um “FENÔMENO”. Este Brasil é maravilhoso e lúdico. Não podemos esquecer do nosso saudoso “LAMPIÃO”, o “REI” do cangaço e sua “Dama Maria Bonita” a Rainha do Bando. que era movido pela vingança, pela vontade de chacinar todos os meganhas que haviam, gratuitamente, assassinado seus pais, quando ele, o chefe do Bando, O VIRGULINO, ainda criança, embaixo de uma cama, assistiu a infernal cena de defenestração de seus entes queridos. Lampião ganhou este apodo porque a extremidade do cano de sua espingarda mantinha um lume aceso durante todo o tempo em que ele atirava, dada a sua velocidade no gatilho. Talvez esteja incorrendo em dissertação apócrifa por falta de melhores informações.

Parece-me que, da mesma maneira que os indianos gostam de Deuses, considerando que naquele país existe um Deus para cada situação ou necessidade, ou doença, plantas, emoções, carência etc., existe um Deus para atender suas súplicas.

Assim como eles, nós precisamos de “MITOS” para reverenciar, para aplaudir, para render homenagens. Faz parte do folclore da nossa cultura de colonizados. Não pensem que estou esquecendo do nosso principal “SALÃO MONARQUICO” O MONUMENTAL PALÁCIO LEGISLATIVO, onde reinam, incólumes, a surpreendente massa escorregadia, os nossos POLÍTICOS. Deles há, até, os que estão “se lixando” para a opinião de seus eleitores. Naqueles antros, a guerra intestina é sanguinolenta pelo posto de Rei da Corrupção. Todos querem Coroa e Cetro; vergam-se ante a cobiça. Todos os políticos de todos os mundos prostram-se na Capela do Poder, da Usura e da Impunidade, suplicando um lugar no Trono do Mando, nem que seja por algum tempo; tempo suficiente para sentirem o orgasmo, a volúpia do prazer de escarnecer dos pequenos mortais sem defesa. Naquelas casas temos o Rei do Mensalão; o da Bolsa Família; o do Escândalo dos Correios; temos o do Auxilio Moradia; o das Passagens Aéreas; o dos Palácios e Casas Suntuosas; convivemos amigavelmente com “os reis (são vários) do nepotismo”. Sem mencionar que cada Senador da República ou Deputado Federal tem uma legião de assistentes, ganhando salários assustadores, para fazerem nada, a não ser procurarem ou produzirem “documentos” que possam, eventualmente, encobrir as falcatruas de seus “CHEFES ONIPOTENTES”. Vergonhoso é um termo muito “chinfrim” para adjetivar tamanho descalabro. Naquelas casas pratica-se a sublevação dos valores morais. Ignóbil, talvez, se preste melhor para definir a falta de vergonha, o cinismo, a falta de patriotismo.

Os universitários em particular e o povo em geral deveriam sair às ruas de suas cidades e postarem-se frente às Prefeituras e Câmaras de Vereadores em protesto veemente contra os desmandos. Brasília deveria ser invadida pela massa inconformada para, frente ao Congresso Nacional, dizerem aos representantes do povo, que chega de roubalheira, de corrupção, de cinismo, de vagabundagem. Dizer que todo funcionário público e todo trabalhador brasileiro trabalha 5 ou 6 dias por semana e não 3. Dos 3 dias, a maioria chega tarde e sai cedo, e enquanto estão por lá, tomam cafezinho, sem nem mesmo saber quem está pagando, e confabulam o próximo achaque. Chega de impunidade. Chega de sofrimento. Chega de escravismo. As mães brasileiras, a exemplo, das argentinas, deveriam sair em “panelaço” pelas ruas e em frente aos “monumentos de rapinagem”, desde Brasília até o menor dos Municípios.

Este é o meu protesto mudo, já que não sai do âmbito de meus relacionamentos e, que com certeza, não surtirá efeito nenhum. É uma pena!

Novamente vou me deitar inconformado...

Anchieta Antunes

_______________

“INAUGURAÇÃO DO BRASIL”

Realmente parece muito estranho ou mesmo esdrúxulo dizer que um país foi inaugurado. Isto se não prestarmos atenção a fatos históricos.

Senão vejamos: os fenícios navegaram pelas costas do nosso continente muito antes de Cristo. Depois foi a vez dos chineses,em 1421.Todo o caribe foi visitado por estes povos que vinham por aqui para descobrir riquezas, e, certamente, saquear tudo o que lhes interessava. Isto aconteceu com os franceses que levaram grande parte da Mata Atlântica, em forma de Pau Brasil. Não havia, para estes povos, a intenção de requerer propriedade das terras descobertas. Não havia reinvidicação territorial.

Dizem as más línguas que os portugueses dispunham de mapas elaborados pelos Fenícios, porém, não há prova cabal. Nossos irmãos, ainda que admitamos, terem esses mapas fenícios, só deram com os costados em nossas praias por conta de uma calmaria que pairou no Atlântico por tempo indeterminado. Se os portugueses demoraram noventa dias para atravessar o oceano, pergunto; uma calmaria pode demorar três meses sobre um mar tão grande quanto o Atlântico? Será que a nossa marinha mercante saberia responder esta pergunta?

Os espanhóis andaram subindo o Rio Amazonas, quando ainda não tinha este nome. Se não me engano, um tal Américo Vespucio, depois Vicente Yanez Pinzon navegou pela Bacia de la Plata. Descobriram o que viria a ser a Argentina e o Uruguay. Ah! Sim, o Paraguay também. Nesse rolo vai também o Chile, Bolívia, Colômbia etc,etc.Quem na Colômbia descobriu a grande mina de prata. Dizem que foi alguém da família Patino; da Espanha.

O Tratado de Tordesilhas ajudou muito os portugueses, que já sabiam da existência de nossas terras. O escrivão,que a mando do Rei de Portugal, em parceria com seu colega da Espanha, sob as ordens dos Reis Católicos, Fernando e Izabel, redigiu o tratado, sabia, ou sabiam, bem direitinho o que estavam fazendo, ou seja, cada um que fique com sua fatia do bolo a ser descoberto e saboreado. Será que Pero Vaz de Caminha, ainda em sua pátria, já não sabia que aqui “em se plantando tudo dá”?

Por isto, elucubrando, avento a hipótese de nossos patrícios terem navegado até Cabrália apenas para oficializar a inauguração da Bahia, digo, do Brasil. Quando “em aqui chegando” nossos patrícios depararam-se com um “magote” de gente nua correndo pelas praias, virgens de povos brancos – raça - com arcos e flechas nas mãos, tentando impedir a invasão de seu território, devem ter pensado numa grande suruba, o que vinha a calhar para os degredados, ávidos por corpos novos, indefesos e inocentes. O mais puro dos marinheiros, tinha pena decretada de trinta anos de prisão. Será que é por isto que ainda hoje grassa a corrupção na crista da sociedade política?

O Bispo que acompanhava a “TROPA DE ELITE” e que era o intelectual do grupo, alcunhou aquela gente de “indígenas” ignorantes, analfabetos e “não tementes a Deus”, fato inaceitável. Como podia um povo tão rico em recursos naturais, não contribuírem com o Vaticano? Temos que infundir-lhes medo e, como castigo, atribuir-lhes carga de trabalho... só assim vão aprender a se comportar e respeitar a Igreja de Pedro. Como se Pedro ou Deus tivesse alguma coisa ver com isso...

Nossos índios, os mais lídimos representantes da nossa gente, ainda que tenham atravessado o “Estreito de Bering”, para aqui chegar, no mínimo foram os primeiros a tomar água de côco em nossas praias. Mereciam mais respeito, mais atenções, mais consideração.

Não satisfeitos com a degradação indígena, nossos portugueses, iniciaram o contrabando de africanos, para executarem os trabalhos indignos da gente européia. Trabalho braçal nos canaviais, que por sinal perdura até os dias de hoje.

Os negros africanos chegavam como mercadoria, pois que tinha, o seu “importador” a obrigação de pagar os devidos impostos na Alfândega do Rio de Janeiro. Neste caso eles, os negros, não eram “naturalizados” e sim “nacionalizados”.

Assim, meus amigos, a “inauguração do Brasil” foi a grande piada daquele século. O descobrimento aconteceu muitos séculos antes.

Um abraço

Anchieta Antunes.

___________________

BUCHADA NORDESTINA

Aconteceu numa cidade do nordeste. Não revelo nomes para não delatar a família nem dilatar a vergonha

Fomos convidados para almoçar na fazenda de um parente de parente. Sabe aquele amigo da tia, do irmão do cunhado da sogra... é por aí. Fomos. Eu, minha mulher e a prole, num domingo de sol brilhante, com um maravilhoso mar de azul marinho, cheio de ondas e esperanças para os banhistas.

Não era longe, Apenas umas duas horas de estrada de chão batido. Alguns buracos vieram a calhar para sacolejar a carcaça e trazer mais fome do que a que já tínhamos. De fato, chegamos famintos. Alguns goles de cana, um pedacinho de queijo e o apetite vaporizando o ambiente. A sala cheia de gente, parentes de parentes, que nós não conhecíamos. Um brinde ao cavalheirismo durante as apresentações. Fomos todos introduzidos no seio daquela família alegre e feliz.

A convite da anfitrioa para conhecer a cozinha, entramos numa sala imensa, onde um caldeirão diabólico, com labaredas enormes e demoníacas, esquentava seu fundo que não parava de chiar. Boiando na água que borbulhava vimos umas bolas imensas, que mais pareciam cérebros de macaco prego ou os ovos de touro.

Diante daquela visão dantesca, de uma comida que não tardaria a nos ser servida, vislumbrei uma cena que assola o imaginário do desconhecido: no agreste nordestino, quase perto de um pedacinho de mata atlântica,que conseguiu se esconder da cobiça dos latifundiários, uma choupana coberta de palhas de coqueiros, com um só cômodo, uma figura anoréxica, bailando no ar, em sua vassoura deambulante, naquele exíguo espaço, com um nasal proeminente, avançando adiante do corpo fraco e rígido, como se o nariz fosse um cavalheiro nórdico, pronto para defender seu feudo, da invasão da maldade dos humanos, não bruxos.

Num imenso caldeirão, fervendo ervas medicinais como também as que enfeitiçam os corações desprevenidos, ou as mentes perversas laborando vinganças atrozes ou ainda a decapitação dos que causaram prejuízos aos inquilinos do planeta terra.

É que a “chef”, Dona Zefinha, era uma figura magra e velhinha, com um imenso nariz, frente àquele continente que não parava de borbotar.

Aquela mistura verde e viscosa borbulhava como lava incandescente de um vulcão em atividade, derramando pelas bordas da panela de alumínio, provocando mal estar a quem olhasse para aquele almoço prestes a ser degustado. Tudo regado com um bom molho de pimenta.

Assim minha mulher teve a audácia de perguntar à bendita cozinheira, de que era feita aquela iguaria!

_ôxente! Sabe não, minha fia? Isso é bucho de bode, a coisa mais maravilhosa que existe por estas bandas...

Sim! Mas o que tem dentro do bucho?

_Esse povo das estranja (tinha percebido o sotaque) num sabe nada de nada! Prestenção que agora vou desminhunçá a comida pra você entender. Primeiro: tripa de bode virada , figo (fígado), passarinha (pâncreas ) bofe ( pulmão), riinn e tem quem bote também um pedacim de coração. Tudo muito bem lavado senão fica um cheiro de merda que não tem quem aguente. Quando isto acontece e o freguês corta o bucho(estomago), o fato explode pra tudo quanto é lado, como um traque, e a catinga no meio do terreiro, bota todo mundo pra correr, feito um bando de doido. Mai num é o caso deste, viu, minha bichinha!E agora, mulezinha de Deus, tem que temperar, né?

_O que a senhora usa como tempero?

_É meu segredo, mas vou lhe dizer: refogo sal, alho, cebola, pimentão, cominho, coentro, e uma pitada de pimenta do reino.. Tudo cortado bem miudinho que é pro povo sentir o gosto sem saber o que é! Adispoi custuro o bucho com linha branca, com tudinho lá dentro, Agora vai a resenha toda pra panela com bastante água muito bem temperada. Baita trabalho...

Logo depois foi anunciado que o almoço seria servido naquele momento angustiante para nós. .Aquela comida que minha gente do Uruguay não conhecia, deixou a todos aflitos com o próximo ato. Dava para perceber nos olhos e expressões faciais, que meus imberbes filhos estavam ansiosos e assustados com o que poderia ser buchada. Seria uma surpresa agradável??? Do meu grupo de incautos, só eu sabia e gostava.

Desastre total. Um dos filhos disse:

_Mama, esto parece um bolso de mierda. No ló voy a comer. Tiene olor feo...

Os outros repetiam o refrão.

_E agora, meus filhos vão ficar sem almoço? perguntou minha mulher. Ela, esperta que é, já havia visto na cozinha, que Dona Zefinha, dispunha de outras panelas repletas de comidas variadas. Tratava-se de “galinha”, que é comida de pobre, pois que era para o elenco de empregados e empregadas. Os patrões iam comer “buchada”, comida de rico.

Mãe estremada que é, mais que ligeira sob o suborno de uma boa conversa, convenceu Dona Zefinha a fazer quatro pratos com comida de pobre: galinha. Um pouco de arroz e farofa de “bolão”. Estavam prontas as 4 refeições.

Um almoço injurioso se transformou em verdadeiro festin, mesmo com a estranheza dos anfitriões, que não entendiam porque os habitantes de outro burgo não comiam buchada, iguaria tão diferenciada e de sabor e cheiro únicos.

Voltamos para casa, satisfeitos e com a promessa de voltarmos àquela fazenda ainda que não participássemos do prato corriqueiro daquele grupo familiar.

A volta foi um pouco, para não dizer, muito conturbada, pois que eu havia exagerado nos meus goles de cachaça, bebida a que não estava afeito. A família uruguaya durante o retono, rezou dez rosários e mais algumas orações, pedindo a Deus pra chegar em casa sãos e salvos.

Chegou...

Naquela cidade vivemos muitos natais, felizes sem ter que ingerir a apetitosa buchada.

Anchieta

PS. Receita de molho de pimenta do “chef” Anchieta:

1º - 100 gr. de pimenta malageta;

2º - 50 gr. de pimenta da índia (amarela e redondinha)

3º -duas colheres de chá de orégano;

4º - três dentes de alho amassado;

5º - uma cebola pequena bem picada;

6º - uma boa pitada de colorau;

7º - duas colheres de sopa de extrato de tomate (para emprestar cor)

8º - “ATENÇÃO” meio copo americano de MEL DE ABELHA”

9º - um copo americano de vinagre; e

10º - cinco colheres de sopa de azeite “extra virgem”.

Deixar descansar por dois dias.

OBS: Só Yves conseguiu colocar mais de cinco gotas num prato bem cheio e bem molhado com feijão. Dea, apenas provou, logo ela que adora molho de pimenta.

D E S F R U T E M ! ! ! ...