terça-feira, 28 de setembro de 2010

A FERA


Fui atacado por uma ontem à noite. Não sei precisar se era onça (das nossas), tigre ou leopardo (os deles). O medo assemelha todas elas. Pavor é o termo mais próximo que encontro para descrever o que senti. Não! Não cheguei a sujar os panos... tenho uma prisão de ventre crônica. Não vou revelar que os molhei porque minha mulher estava por perto e não quero fazê-la passar vergonha. Mas, isto não passa de detalhes insignificantes.
Estava eu em quarto não sei de onde, quarto este cheio de caixas, nas quais eu procurava alguma coisa muito importante. Abnegado que sou no cumprimento de minhas atividades, não notei que estava passando ao meu lado a fera “babona”, como se aquele espaço fosse um pequeno trecho de sua selva, onde ela costuma caçar todos os dias na “boca da noite”. Imediatamente me vi na “boca da eterna faminta”. Ela continuou andando seu andar felino, atravessou a porta que estava aberta e, de repente, olhou para trás, como quem diz: _acabo de passar pelo meu jantar e nem ao menos me dei ao trabalho de sangrar-lhe a jugular... estou ficando velho e descuidado.. tenho que voltar para honrar minha fama de “feroz recalcitrante”. Voltou...
Eu, mais que depressa, corri para trancar a porta... não consegui nem fechar, pois o mocinho de duzentos ou trezentos quilos já havia colocado sua patinha, do tamanho de minha cara, no vão da minha salvação, impedindo-me de conseguir meu objetivo. Empurrava com todas as minhas forças, com todo o corpo e ela nem piava pra dar uma demonstração de dor aguda na munheca. O que fez foi sacar de dentro das cavernas de sua manzorra as garras afiadas como navalhas. Todas as vezes que balançava aqueles instrumentos “navalhisticos” fazia uma parte de minha barba incipiente.
O medo mental, o meu, já havia espalhado por todo o meu ser, a sensação de morte iminente, sem contestação ou defesa. Naquele instante afigurava-me a porco espinho, com todos os pelos eriçados. Com a vida em minhas cordas vocais, clamava por socorro.
Olhei pela fresta da porta e vi que a fera olhou bem dentro de meus olhos, novamente para alguma coisa atrás de mim, fez um ar de riso, e mansamente puxou sua mão da porta.
Imediatamente cuidei de trancar a lamina de minha vida salva, com chave, ferrolho, cadeado e tramela. Encostei na porta uma geladeira, por via das duvidas. Não sei de onde surgiu aquele aparelho domestico, como num passe de mágica, mas o fato é que ali ele estava para minha proteção; grande e robusto.
Olhei para trás e vi outra porta entreaberta. Corri para ela, conseguindo fechá-la a tempo de não ser engolido pela famigerada faminta. Mas...
...chegou um homem amigo de irracionais, particularmente, de feras. Com uma chave mestra abriu, para meu desespero, minha salvação - a porta. Segurava pela coleira aquele monstro medonho, que teimava em me saborear para depois lamber os beiços. O homem dizia: _agora não! agora não! - como se estivesse instruindo o bicho para deixar-me para depois, como reserva técnica.
Fiquei feliz, porque, pelo menos naquele momento estava à salvo; teria tempo de planejar uma fuga estratégica. Pela outra saída era, praticamente impossível, porque precisava afastar a geladeira, abrir o cadeado, levantar a tramela e acionar a chave, o que me levaria todo um dia, em virtude de meu estado nervoso. Pela clarabóia, não encontrei viabilidade, já que não tenho tendências a morcego ou vampiro. Cavar um túnel, aí sim, é que não teria tempo mesmo, nem com o concurso dos ladrões do Banco Central de Fortaleza. Para piorar meu estado lastimável de desespero, comecei a sentir nos pés um calor cogente nos meus pés. Calor este que, com a urgência de um raio em noite tempestuosa, abrasou meus pés descalços; achei-me parecido com os personagens de figuras das historias em quadrinhos, ou de filmes de ficção.
As labaredas vivas como enguias nervosas, avançavam sobre minha agonia com a rapidez dos incêndios do cerrado planaltino. Só havia uma saída, e a usei com premência
A C O R D E I
Tudo não passou de um maldoso sonho, ou melhor, pesadelo.
Quanto às labaredas nos pés, explico: minha diligente mulher, por volta das três da madrugada, encostando seus pés no meus, sentiu como se tivesse tocado numa imensa barra de gelo. Mais que depressa correu à cozinha, esquentou água e a colocou num saco para água quente, daqueles que os velhinhos usam para sobreviver às noites invernais, principalmente na Sibéria. A água sumamente quente, deu-me a impressão de estar pisando nas labaredas das portas do inferno, se bem que não tive ainda, o desprazer de conhecer a residência do capeta.
Acordei vivo, com todos os bichos enjaulados, com os pés bem quentinhos e uma linda e cuidadosa mulher ao meu lado. A vida é bela e o amor é lindo...
Anchieta Antunes.
Gravatá-26-09-2010

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A Roda da Vida


Por Anchieta Antunes

Na verdade são duas rodas, girando no mesmo sentido, produzindo harmonia. Girando para cima. Fabricando cada dia de nossa vida. Uma engrenagem simples de montar; é o que imagino como foi para o ENGENHEIRO do tempo.

A primeira, a da esquerda, com sua extremidade em material resistente e largo; algo como aço, titânio ou fé. Essa chapa com varias cavas de tamanhos variados para acolher os dentes de sua vizinha. Esta primeira, apesar de “esquerda” é passiva e tem a cor nebulosa da esperança.

A segunda, à direita, gera a energia necessária a todo movimento. É ativa e determinante. Na sua extremidade uma chapa dentada com vários tamanhos e dimensões de dentes ou espetos. Grandes, médios e pequenos. A finalidade de tantas protuberâncias? Os acontecimentos diários de cada ser humano. Aqueles dentinhos penetrando nos minúsculos encaixes geram o trabalho diário, pequenos aborrecimentos, encontros amorosos passageiros, arrufos com o sexo oposto e tantas outras obstruções cotidianas.

As grandes decisões estão entalhadas nos ressaltos dignificantes do acontecimento que está para acontecer. Quantidade imensurável de pinos ativos, penetrando nas fendas da roda passiva da vida. Alguns pinos enormes, assustadores. Não há como escapar; vem inexoravelmente disposto a penetrar, e penetra com a obstinação da teimosia. Como dói! Machuca! Humilha! Rasga o espírito, fratura a vontade de continuar seguindo em frente, pressagiando a próxima estocada. Ficamos com os olhos aflitos, como os dos touros, mirando a espada do algoz vindo em sua direção, denunciando a morte iminente. É triste!!! Fende toda nossa estrutura, e é irrevogável e irretratável.

Ao cotidiano, até podemos atribuir valor poético, místico, vivencial. São os pequenos tijolos dispostos à edificação da grande obra material, carnal, solúvel no acido do “infinito, enquanto dure” como diria Vinicius de Morais.

No saber aceitar o monumento dos desafios, sem pejo, reside a grandeza do sábio, do lucubrador incansável que vê nas adversidades, a mesma simplicidade do ato de andar de bicicleta, dispondo apenas de uma das pernas; sei que é uma cena terrível, porém, acontece mais vezes do que podemos imaginar. Sofrer para aprender, infelizmente é um lugar comum, contudo, verdadeiro.

Todas estas dificuldades e atribulações formam a roda da vida, núcleo indispensável, enquanto em pé na crosta terrestre. Podemos tornar esta caudalosa torrente de infortúnios, em lago manso com o concurso da sabedoria. Fácil não é ! impossível, também não!!! Caráter e determinação são as ferramentas necessárias à consecução do escopo.

Muitas vezes basta abrimos a janela para enxergar o horizonte límpido e brilhante acenando nossa felicidade, como se fora um passe de bonde. Quando nos encerramos dentro de nós mesmos, fechamos todas as aberturas para o sol nascente.

Temos a faculdade de girar a engrenagem para atender nossos caprichos. Se a giramos muito rápido, corremos o risco de o eixo central entrar em calor excessivo e partir-se. Com lerdeza perdemos a paisagem, quase estática, do trem em movimento. O bom senso há que prevalecer em todos os movimentos e ações, conferindo temperança, sagacidade e juízo formado. Devemos ser vigilantes em todos os momentos, como o são os cães de guarda.

Sentemo-nos no trono da generosidade e solidariedade… para alcançar a paz de espírito.

Anchieta Antunes é Escritor e membro da ALAOMPE

... queria só mais uma semana



para amar minha mãe um pouquinho mais… para fazer-lhe carinhos, passar a mão em seus cabelos brancos, beijar suas bochechas.

Queria um pouco mais de tempo em sua companhia para aprender a ser um homem de bem, com atitudes retas, com o caráter formado.

Queria me embevecer com seu sorriso santo, beijar suas mãos gordinhas e sentir o carinho de seus cuidados; beber na sua fonte de tolerância, sentir o cheiro do círio de sua esperança, que nunca se apagou.

Queria só mais uma semana para dedicar todo o meu amor à minha santa mãezinha, minha mãe que tanto me amou, me cuidou, pensou minhas feridas de corpo e alma, velou meu sono agitado por pesadelos de estripulias juvenis.

Queria poder dizer que nunca lhe esqueci, que rezo por ela todas as noites, que peço a Deus que a tenha sob seus cuidados, que não a deixe sofrer, que seja sempre amada por todos os anjos. Queria pedir a Deus o perdão de minha saudade, contra a qual não tenho forças para lutar.

Queria só mais um segundo para presentear-lhe um grande beijo na fronte coroada de atenções, de sensibilidade, cuidados, de zelo pela família; queria dar-lhe um grande abraço filial e receber o troco em abraço maternal. Queria acariciar seus braços gordinhos e dar um carinhoso beliscão nas suas papadas. Queria vê-la sorrir novamente, a gargalhada do prazer da vida na companhia dos filhos criados e educados, prontos para encarar a selva de pedras.

Queria vê-la sorrir a certeza do dever cumprido, da tarefa realizada com louvor. Queria ir com ela fazer a feira do sábado, provendo o lar de suas necessidades praticas. Ela que “arengava” com todos os fregueses por um preço melhor, presa aos cuidados de um orçamento domestico compatível com os ganhos dos filhos que trabalhavam de sol a sol.

Queria sair com ela, de mãos dadas, para passear na praça e escutar a “retreta” da Banda de Musica da Policia Militar, quando se apresentava no coreto aos domingos. Momentos em que ela cobria sua fisionomia de candura e deleite com o ritmo dos acordes marciais. Não saía daquela posição até que o ultimo som invadisse seu momento de puro prazer, e já começava a beber na taça da expectativa do próximo domingo.

Queria com ela desfrutar da alegria de comer algodão doce e brindar nossos olfatos com a fragrância dos canteiros de rosas daquela praça encantada. Aquelas tardes tinham o néctar do enlevo da cumplicidade de mãe e filho glabro.

Para mim, aqueles momentos, eram sempre melhores que uma tarde no circo. A saudade é opaca porque não tem textura.

Queria só mais uma semana para amar, “desesperadamente” a minha mãe que está, desde os meus 17 anos, na companhia de Deus.

Gravatá – PE, 20/09/10

Anchieta Antunes é escritor membro da ALAOMPE

A Mulher e Seu Corpo




O corpo da mulher é um monumento à estética, á beleza e aos bons costumes. Começando pela cabeça que é o promontório da razão, do bom senso e do esmero em tudo o que produz. O corpo da mulher carrega o milagre da vida; carrega o primeiro alimento, assim como o primeiro carinho e o amor materno. O maior de todos.

O corpo da mulher é um dilúvio de paixões, o grande caminho da esperança dos homens inebriados com o canto da cotovia. O corpo da mulher é o cume do Everest para quem quer se encontrar com Deus. É a sublimação da cobiça da fortuna material, promovendo o abraço com os elevados anseios de uma alma pura, aberta para o amor.

O corpo da mulher se compadece, solidariza-se, enternece, embriaga, navega com o companheiro as corredeiras de águas turvas nos rios sinuosos da vida. É a mão amiga, o conselho apropriado, a elevação do ser – homem – É a seda que acaricia a nossa pele, a mão que carinhosamente assanha nossos cabelos, distribuindo consolo. Do solo emana como águas vaporosas, emprestando saúde aos enfermos, consolo aos desiludidos e humor aos sorumbáticos.

O corpo da mulher com suas ondulações externas, seus escaninhos profundos e misteriosos, guarda a vida na sua manifestação mais pura. É a volúpia mais terna que se possa auferir, conferindo à continuidade da vida, o sentido de exclusividade e paixão.

Ele esparge a fragrância secular dos anseios nobres, cobrindo com o véu da tolerância o ardor dos corações sôfregos, na busca eterna do prazer carnal. Como os Pilares de Hercules no Rochedo de Gibraltar, suas pernas bem conformadas, propiciam seu caminhar sobre a face da terra, disseminando meiguice, colo e sabedoria.

No regaço da mulher amada o homem descansa suas duvidas, frustrações e decepções. Com a poção mágica de seu conhecimento milenar, assim como os alquimistas transformavam chumbo em ouro, a mulher converte abatimento em vitorias; sabe fazer o homem, novamente, levantar o queixo para seguir em frente na batalha diária, própria dos vencedores. Sem elas seriamos a metade de nós. A vida não teria encantamento, a pomba não arrulhava, o “uirapuru” quedaria mudo e a coruja não piava. Pobres de nós, simples mortais, perdidos estaríamos sem aspiração de continuar olhando o sol brindar a vida. Ve-lo-iamos sempre coberto de tempestades obscuras e nefastas.

A mulher e seu corpo, o “DOM DE DEUS” – a graça e força da vida, nossa locomotiva, que seja “E T E R N A“.

Anchieta Antunes, reside em Gravatá é Escritor e membro da Academia de Letras Artes e Ofícios Municipais de Pernambuco. (Alaompe)

Blog: http://anchietaantunes.blogspot.com

sábado, 4 de setembro de 2010

ALAOMPE organiza palestra cívica alusiva ao 7 de setembro






Realizou-se na cidade de Bezerros - PE – um evento de caráter cultural, organizado pela Academia de Letras, Artes e Ofícios Municipais de Pernambuco, no dia 3 de setembro, pela manhã, na Escola Getulio D’Andrade Lima, dentro do marco das comemorações do 7 de setembro próximo.
O Professor de Historia da Universidade Católica de Recife, Ernan i Souto Andradi, proferiu uma conferencia sobre as características particulares da Independência do Brasil. Como bem disse o Professor Ernani: - “Quem deu o grito da independência, foi o filho do Rei de Portugual, herdeiro da Coroa, que continua como Rei da Colônia – o Brasil – depois do ato político”. Este fato não se deu nos outros países latino-americanos, nos quais não existia “corte nem imperador”. Isto determinou que todo o processo de independência no Brasil, seguisse caminhos bem diferentes do resto da America hispânica.
A ALAOMPE através da sua direção de cultura a varias escolas do Município, e suas turmas de 8ª série e do 3º ano do ensino médio, acompanhados pelos professores de historia, para assistir à palestra, dado o interesse do tema para os alunos.
Fizeram-se presentes: -Escola de Referencia em Ensino Médio de Bezerros, professora Débora e coordenadora Graça, acompanhadas de 35 alunos;
-Escola Dom José Lamartine Soares, professor Wuleandro, com 5 alunos;
-Escola Eurico Queiroz, professor Romualdo, com 7 alunos;
-Escola Professora Maria Ana, professor Rodney, com 5 alunos;
-Escola de Getúlio D’Andrade Lima, Professoras Nazaré e Maria do Carmo, com 10 alunos.
No auditório da Escola Getúlio D’Andrade Lima, já preparado para o evento, se receberam os acadêmicos da ALAOMPE para formar a mesa. Logo, a secretária chamou o professor Ernani Souto Andradi para integrar a mesma. O ato começou com o Hino Nacional cantado pelos presentes. Imediatamente a Secretária Geral da ALAOMPE, Srª Norma Nunes Garcia, leu um breve currículo do palestrante, e a seguir o mesmo pronunciou sua conferência.
Finalizada a exposição, se abriu uma mesa redonda onde professores e alunos apresentaram suas perguntas e suas dúvidas, aos diferentes aspectos do tema, ao excelente professor. O palestrante soube transmitir seus conhecimentos com humor e domínio total dos fatos históricos assim como profundo saber pedagógico, conseguindo desta maneira, uma inter-relação completa com a sua platéia.
A continuação a Diretora da Escola anfitriã Getúlio D’Andrade Lima, Gestora em Educação, Lucinda Torres do Nascimento agradeceu a presença de todos e entregou uma pequena lembrança da Escola as mulheres presentes de ALAOMPE.
A Diretora de Cultura da ALAOMPE, Professora Dea Cirse Garcia C. Antunes agradeceu ao palestrante, professores, alunos e acadêmicos, e ofereceu um artesanato típico nordestino ao Professor Ernani, assim como um buquê de flores para a esposa do mesmo, Srª Socorro Souto, bezerrense, que também se encontrava presente.
Dando por encerrado o ato cultural, os acadêmicos e o palestrante conversaram informalmente com os professores presentes e expressaram o grande interesse da ALAOMPE para integrar estudantes a atos culturais de importância fundamental para seu desenvolvimento cognoscitivo. Se estabeleceram laços que seguramente facilitarão o labor educativo e cultural, que a ALAOMPE pretende levar a cabo já no ano de 2011.
É através desta publicação que proporcionamos ao público, professores, alunos, acadêmicos, uma breve resenha do acontecido no marco do Sete de Setembro próximo, e solicitamos a todos os leitores da mesma para divulgar o fato. As fotografias do ato acadêmico com todos seus assistentes ficam disponíveis:
No blog da ALAOMPE: http://alaompe.wordpress.com
No blog do Acadêmico Lenilson Xavier: http://www.lenilson.com.br
No blog do Acadêmico Anchiêta Antunes: http://anchietaantunes.blogspot.com

DESBRAVANDO O HORIZONTE DESDE O ARRUADO

Gravatá-11-01-08



DESBRAVANDO O HORIZONTE

DESDE O ARRUADO

Vocês, meus avôs querem por que querem que eu conheça o mundo, sem nem mesmo considerar a minha pouca idade. Todos os dias levam-me a passear pela cidade de Gravatá, para que conheça todas as ruas e praças da nossa comunidade.
Tem um certo encanto... porque todos os povoados do agreste ou sertão nordestino, guardaram a inocência dos tempos em que o transporte mais rápido era o cavalo. Meu avô diz que era a época em que o vaqueiro queria ir até o aglomerado de casas mais próximo para tomar uma cachaça e levar dois dedos de prosa com o compadre que mora na ponta da rua. O chão era de barro ou areia, porque o calçamento é coisa da capital que está a vinte léguas “de beiço” de onde vivem.
A notícia mais fresca e disputada nesta região que visitamos com meus avôs é o nascimento do filho de Maria Rosa, “La Belle de Jour”. Maria Rosa, a cabocla mais desejada e invejada daquelas bandas. A natureza foi mãe e não madrasta com ela, pois desfila um corpo torneado cor de jambo com cabelos longos e lisos e com a fragrância inebriante de “Leite de Coco”-ao dizer de meu avô. Tem os olhos negros e amendoados guarnecidos pelas sobrancelhas grossas da cor do azeviche. Tem a testa alta, condizente com a inteligência de que desfruta e usa, para se dar bem na vida. Não é mulher de trabalhar em lavoura e sim de ler revistas como “O Cruzeiro” e a “Manchete”. É mulher que tem leitura.
É ela a porta-voz do vilarejo, a que está encarregada de divulgar todas as fofocas do que acontece lá fora, neste mundão de Deus.
Está casada com João Nepomuceno, proprietário de um sítio nos arredores do arruado. No seu sítio o João planta de tudo para abastecer a sua mesa farta e para negociar nas feiras do sábado. O casal é tido como o mais abastado da região, contando com uma boa carroça, uma bicicleta, e mais uma charrete para Maria Rosa desfilar sua beleza nos domingos quando o Padre aparece para confessar e rezar a missa.
Depois do resguardo de três meses, ela vai poder mostrar a todas as amigas e conhecidos o seu lindo filho Ambrósio, um verdadeiro troféu. O orgulho do casal que nasceu com cinco quilos e medindo cinqüenta e três centímetros. Um verdadeiro “touro” como diz o pai vaidoso. Quando crescer vai ser Prefeito!
Assim vive este povoado com seus altos e baixos, com chuvas e secas, mas sempre com um sorriso estampado no rosto. Todos riem da própria carência de tudo...
-Deus há de melhorar - dizem...
Assim é, pois meus avôs querem que eu conheça todos e tudo a respeito desta gente que é minha gente.
Aqui nasci e vou me criar, do mesmo jeito que minha mãe fez em sua vida.
Não posso dizer que não gosto desta fase de minha existência, mas certamente não é o eu que quero para minha idade adulta. Tenho melhores planos. Pretendo viajar muito e conhecer, de fato, o mundo lá fora, onde as coisas acontecem. Gosto dos passeios de carro com meu avô dirigindo bem devagarzinho para que eu possa enxergar tudo que vai passando pela janela do carro, como se fosse uma televisão ou janela de trem. Muitas vezes adormeço no colo macio de minha “nona”. Minha vó conversa muito comigo para que eu aprenda logo a falar e dizer tudo que tenho vontade e direito.
Assim vão transcorrendo os meus dias. Quando não, viajo com meus pais para a capital do Estado. Naquela cidade imensa nós vamos as lojas e restaurantes e também a parques. É muito divertido. Também é muito cansativo.
Continuo simpática e sorridente, conquistando a tantos quantos se aproximam de mim.
Brinco bem com bolas e bonecas. Durmo bem. Como bem. Que mais quero nesta minha vida de bebê linda e adorada? Só continuar contando minhas histórias. Estou com um ano e três meses de idade (só para que tomem conhecimento).
Um beijão bem grande para todos.

Letícia Victória.