quarta-feira, 30 de junho de 2010

Fiasco no primeiro vôo

Eis que estávamos prontas, eu e minha mãe, para enfrentarmos nosso primeiro vôo em avião a jato. Conste-se - duas turbina- das grandes - muito barulhentas - sem direito a tapa ouvidos.
Turista nasceu para sofrer.
Resenha no aeroporto. Para mim tudo mágico... Vozes estridentes vindas do céu ou do teto sem ter ninguém perto da voz. Mais parecia a “voz do além” – coisa de arrepiar pelo de cobra, (se cobra tivesse pelo).Como sou forte, vibrante e determinada, minhas estruturas não foram abaladas, a despeito do todo inusitado que estava acontecendo ao meu redor. Muita gente me cercando. Ninguém conhecido a não ser a minha família, a saber: meus pais, meus avós paternos, que jamais perderiam uma aventura desse porte. A neta linda e maravilhosa em um aeroporto pronta para embarcar em uma missão internacional pela primeira vez. É imperdível até mesmo para pessoas sensatas. O AEROPORTO: um grande caixão de concreto, arrodeado de barulho por todos os lados. Pessoas sempre apressadas, com ares de grande preocupação correndo de um lado para outro como se não soubessem bem o que estavam fazendo naquele mar de gente, todas, aparentemente, perdidas. Confesso que também tive vontade de entrar naquele fluxo de incertezas, daquela pequena multidão angustiada, contudo resolvi seguir os conselhos de Buda: “fique na sua”, não entre em desespero. A maioria das pessoas não sabe a importância da opção nem porque a tomaram. Estão tristemente navegando, com olhos semi-cerrados, na nebulosa paisagem terrestre em posição de obediência. A minha urgência era embarcar naquele tubo voador e arrodear a Torre Eifel, assim como Santos Dumond. Contudo no nosso Brasil varonil, existe um tal de atraso que a bem da verdade já virou instituição nacional. Que fazer, senão esperar? Aproveitei o grande espaço do aeroporto para correr as minhas pernas grossas e vigorosas sem dispensar a companhia de um avô, avó ou um dos pais. Esse povo existe para me proteger, e de preferência com muita alegria e com aquele ar de paspalho, como se eu estivesse descobrindo a teoria da relatividade. Graças a Deus com minha destreza “pernística” dei bastante trabalho a todos que me admiravam. Foi fantástico. Finalmente a voz do além anunciou o momento do embarque. Devidamente empoleirada no colo do meu pai parti para invadir o tal do “avião”. Fiquei um pouco decepcionada, não é lá essa coisa toda. Um tubo grande como esperança de pobre, lotado de gente, todas as pessoas com uma pressa inadmissível, querendo ocupar seus lugares, como se os bancos fossem viajar antes delas e deixá-las a ver navio, ou melhor, avião. Tive que advertir a toda aquela multidão comprimida no tubo voador, de que os assentos estavam todos, sem exceção, apregados no solo de aço. Parece que depois disso houve um pouco de calma constrangida e encabulada. Partimos à procura de nossos lugares. Eu e minha mãe ficamos juntas à janela minúscula e alta do chão. Todos sentados chegou, novamente, até nós outra voz do além, desta vez de homem e sem muita pressa dizendo uma porção de coisas que não tive a menor preocupação em entender. Mãe existe para entender as coisas para os filhos e solucionar todos os possíveis problemas. Uma filha linda e ocupada como eu não pode perder tempo decodificando vozes inexplicáveis.
Num crescendo ensurdecedor as turbinas começaram a despejar barulho, como se fosse uma exigência fazer o tubo levitar na mesma proporção do som emitido. Não gostei muito dessa parte. O Zepellin não fazia barulho nenhum e também levitava. Mas temos que pagar o ônus de nossos erros. Turbina devia ser silenciosa. Levantamos vôo. Parece que houve um alívio generalizado. Todas as fisionomias adocicaram-se como o alívio da dívida paga. Achei engraçado o fictício dos sorrisos mostrados com todos os dentes como se no miolo do ser de cada um não sobrevivesse à angústia pavorosa da aventura não concluída. Um bando de mentirosos. Depois de três horas de ver as nuvens de cima para baixo (diferente do que conhecia) chegamos numa estrada relativamente grande, mas não o suficiente para transmitir segurança para nós ali apertados, ouvindo uma a voz misteriosa. Como avião tem pneus eles fizeram o favor de rolarem numa pista, pasmem, não esburacada e nos encaminharam para um outro caixote de concreto maior do aquele primeiro onde tinha visto as pessoas correndo não sei para onde... Nesta caixa grandona tinha muito mais gente e todas muito mais alucinadas do que aquelas primeiras. Pareciam todas muito preocupadas com o imediato, pior que cego em tiroteio. Parece que aí entendi o significado da palavra “caos”. Naquele aeroporto tivemos tempo suficiente para passear no meio daquele turbilhão de emoções, luzes, urgências e destinos. Placas imensas com mil letrinhas que não paravam de rolar sobre si mesmas como se fosse um globo terrestre em miniatura.
Finalmente nos encaminharam para outro avião com outras pessoas imitando as outras do início da viagem. Uma sofreguidão incompreensível. Vamos novamente ver as nuvens de cima para baixo. Já perdeu a graça. Como o homem se cansa da repetição...
Numa cidade chamada Porto Alegre, ou melhor, por sobre ela, a voz misteriosa nos avisou que uma coisa chamada radar (não tenho a mínima idéia para que serve essa coisa chamada radar, mas deve ser importante) estava com pequeno defeito, ou seja, não funcionava, motivo por que tínhamos de ir para o solo para que os mecânicos merecessem seus salários. Dito e feito, os mecânicos receberam seus salários, até mesmo para uma gratificação que será paga em 3.095, se eles estiverem vivos, o que é pouco provável. Novo rumo, agora internacional, em direção a Montevideo, capital do Uruguay, antiga Suíça sul americana. Metade do caminho, se é que céu tem caminho. Uma refrescante neblina que se sentiu ultrajada por se ver rasgada por um tubo de alumínio sem nem mesmo pedir licença. A fresca neblina foi ficando enraivecida e se transformando em chuva. Parece que ela estava solicitando a Deus que lhe desse forças para expulsar aquele intruso. E Deus deu, pois não demorou muito e estávamos dentro de um toró dos brabos, que fez questão de usar de todos os seus recursos. Uma coisa que não conhecia começou a encher meus ouvidos de barulho e medo. Medo dos grandes. Depois vim a saber que se tratava do famigerado trovão, que é precedido do maléfico raio. Deve ser o “raio que o parta”. Olhando ao meu redor comecei ver caras aflitas, super aflitas. Caras de pavor, de terror. Pertinho de mim, já que estava em seu colo, minha mãe derramava lágrimas copiosas arrodeadas de um falso sorriso dirigido ao estímulo da minha tranqüilidade, como se nada de anormal estivesse acontecendo. Meu pai foi mais radical. Vomitou mesmo. Ele e o companheiro sentado ao seu lado. Dizia “estou passando mal”. Mas quem não estava? Fui acodida pela minha inocência. Não sabia do que se tratava. Um avião inteiro banhado em vômito, pavor e gritos e eu na maior paz do mundo. Aquele mundo ainda não me pertencia e espero que demore a pertencer. A voz mágica anunciava “tempo ruim” como se só ele estivesse percebendo. O tubo de angústia continuou desafiando a cascata trovejante até que um fulano chamado comandante resolveu acabar com a brincadeira de mau gosto e falou para todos nós: vamos tentar descer. Palavra deserdada por todos naquele momento: “TENTAR” O momento não era para tentar, mas sim para pousar mesmo. E fomos em direção ao chão com toda a velocidade. Já estávamos bem pertinho quando o barulho das turbinas recrudesceu e muito, parecia que o mundo ia se acabar. Não acabou e voltamos para o liquidificador celestial. Outra vez meus ouvidos se encheram de gritos e súplicas. O avião ficou inundado de lágrimas e vômitos e desespero. Pela segunda vez o comandante resolveu procurar terra e foi lá pra baixo, desta vez conseguindo pousar e esteve rolando na pista por muito tempo e o povo todo pensando que não ia dar tempo de freiar. Deu tempo... Foi o grande momento, apoteótico, o agradecimento ao comandante, com direito a palmas, muitas palmas. Sabe aquele “UFA” bem longo, bem transparente, bem aliviado, a sensação de bem estar, de vida recobrada e um monte de gente rindo histericamente pelo simples fato de continuar viva.
Assim foi, agora nos resta contar a história um milhão de vezes, até que o esquecimento aflora e apaga tudo.
Este foi o batismo de fogo meu e de minha mãe.
Que não se repita.
Estou cansada.
Um grande beijo para todos que estão vivos.


Letícia Victória

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Um comentário:

  1. RAPAZ É MARAVILHOSO NOS DIAS DE HOJE COM TANTAS PORCARIA A DISPOSIÇÃO ENCONTRAR TEXTOS DE TÃO MARAVILHOSA QUALIDADE

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