quarta-feira, 30 de junho de 2010

“O BANHO”

Não é aquele “banho nosso de cada dia”.
É um “senhor banho” – um banho de respeito.
Meu nome não é “SUJISMUNDO”, pelo contrário, sou limpo até demais, a despeito de não me banhar todos os dias. A cada dois ou três dias tomo um elegante banho. Esses dois ou três dias, servem de preparação para o momento da comemoração da higiene corporal.
O hábito do “3º mundo” do banho diário, não passa de frustração nossa, que não dispomos do “status” dos ricos e desenvolvidos. É uma maneira “enrustida” de dizer – “sou pobre, mas sou limpinho”.
Os habitantes do hemisfério norte têm uma ótima desculpa para distanciarem um banho do outro: o frio. Eu que já vivi no frio sei a dificuldade para se tomar um banho. Os passos são mais ou menos os seguintes:
1º - esquentar o banheiro, colocando álcool numa bacia e prendendo fogo;
2º - colocar um tijolo em cima de um fogareiro aceso;
3º - colocar a roupa que se vai vestir no banheiro para ir esquentando;
4ª - tomar uma generosa dose de conhaque;
5º - acender o chuveiro serpentina e aguardar que esquentasse. Aquele chuveiro tinha uma base redonda de aproximadamente de 25 cm. Esta base abria para um dos lados, possibilitando encharcar um cordão grosso de amianto com álcool. Sobre esta base subia, afunilando, uma serpentina de cobre por onde passava a água, permitindo esquentá-la até sua saída para o pequeno chuveiro embaixo da base. Assim tínhamos um banho quente! Outra maneira de tomar banho quente era usando um tanque com mais ou menos 30 litros de água pré-aquecida. Uma torneira de abertura tipo “guilhotina” com mola, permitia controlar o fluxo de água. Essa torneira tinha horizontalmente uma haste em forma de “esse” (S) estilizado, com as pontas enroladas, um lado para cima, outro para baixo, daí o formato de esse. De uma das extremidades, descia uma corrente acoplada a uma mola helicoidal, tudo em cobre, para oferecer resistência e durabilidade. Puxando a corrente, a água escorria, molhando o corpo, depois vinha a etapa de se ensaboar, depois o jorro d’água para escorrer a espuma e o banho estava concluído. Por fim, também era usada uma banheira esmaltada e com pés de garra, imitando patas de leão ou dragão. Como não havia água corrente, enchia-se a banheira com água pré aquecida e água fria para se chegar à temperatura ideal.
6º - ir para debaixo do chuveiro, esfregar o corpo vigorosa e rapidamente e sair para se enrolar na toalha. A esta altura o banheiro parecia o “fog” londrino.
Advirta-se que este meu ritual estava adstrito a uma vila sem energia elétrica – Aceguá – RS, no século XX – em 1964.
Como podem concluir, tomar um banho dava um trabalho danado, motivo por que essa prática não era diária. Os valentes tomavam banho frio, frio não, gelado e quando terminavam o vapor emanava do corpo quente em contato com a água gelada. É mole?
A Islandia dispõe de seus “Géiser” naturais, ou “caldeiras geotérmicas” Essas águas termais aquecidas pelo “magma” estão por toda parte daquele país, proporcionando banhos maravilhosos, curativos e medicinais. Eles tomam banhos coletivos, vestidos, o que tira a graça da higiene em grupo. Todos, homens e mulheres, deviam entrar na água completamente nus, o que seria ecumênico e a céu aberto.
Nós do hemisfério sul, esquentamos uma chaleira d’água no fogão a lenha, que levamos para o quadrado de madeira no terreiro, também a céu aberto (pelo menos isso), e tomamos “banho de cuia”. Isto eu fazia na Serra de Pacaraima – RR, fronteira com a Venezuela. É verdade que a água chega lá no fundo do quintal, já um pouco fria, mas, dá para quebrar o galho. Quando chegava em casa muito cansado, encarava um banho gelado, abrindo uma torneira acoplada por baixo de um tonal de 200 litros, ao relento. A Seerra de Pacaraima, fica a uma altitude de 1.200 metros, por isto sempre faz frio nas extremidades do dia, ou seja, alvorecer e ocaso. É maravilhoso quando dispomos de um sabonete “Gessy”, em vez do sabão de coco, que dispersa um “fixador” tamanho família.
Eu que me considero rico, porque tenho um “Lorenzetti”, tenho minha privacidade garantida por um BOX com vidro blindex e fumê. Tenho ainda um sabonete de verdade com fragrância de jasmim, que me deixa cheiroso por horas.
É verdade que muita gente precisa tomar um banho diário, porque chega em casa cansado e suado, depois de um dia de labuta. A água lava o suor e manda o cansaço pelo ralo; trabalho completo. Pense num lavrador que passa todo o dia com uma enxada nas mãos, cavando a terra, jogando as sementes nas covas, capinando a erva daninha e ainda por cima, com um chapéu de palha na cabeça; aquele chapéu secular, suado, fedendo a sofrimento, a angustia pela espera da chuva no tempo certo, aguardando com todo o seu corpo, o dia da colheita para guarnecer seu pequeno deposito, garantindo o alimento da família por todo o resto do ano. Este homem, realmente, precisa de um grande banho, ainda que seja de cuia. Depois, uma sopa quente, com pão dormido, um cigarrinho de palha na varanda da frente e dois dedos de prosa com a mulher, para finalmente cair na cama, roncar um sono profundo, sem nem mesmo ter direito a sonhos fugazes que lhe viessem acalentar a alma; na madrugada seguinte, começa tudo de novo, depois de tomar um café adoçado com rapadura. Lá vai ele em direção à lavoura, pendurando nos ombros a enxada e a miséria e com o espírito adornado de esperança. Este homem precisa mesmo de um belo banho. Deus seja louvado...
Vida de aposentado é outra estória. Sem nada pra fazer, sem responsabilidades imediatas, ou mesmo, a curto prazo, com todo o dia a seu dispor; a grande dificuldade é descobrir como preencher cada minuto de seu tempo diário. A camisa não precisa ser trocada a cada hora vespertina porque não está suada, nem carrega angustias, esperanças ou desespero. O único tempero de sua vestimenta é a ociosidade. Pés nas sandálias, cueca limpa e calça frouxa, são os demais ingredientes. Aí vem a pergunta – pra que tomar banho todos os dias? Pra cair na mesmice de um padrão familiar? Usos e costumes? Tem sentido? Para se viver bem é indispensável seguir um ritual?
O segredo do interstício é saber celebrar, comemorar, desfrutar cada lavagem corporal. Para isto preciso de um tempo de preparação, organizar a saudação, o brinde ao precioso liquido.
Depois de quinze minutos de água escorrendo pelo corpo coberto de espuma, uma imensa toalha de algodão puro, esfregando bem a carcaça para entrar em calor; um bom desodorante, uma excelente loção após a barba e um divino perfume, de preferência “francês”, um cálice de vinho do porto e a saudação à vida, que é bela.
Quando estou me secando com aquela toalha maravilhosa, costumo emitir sons guturais, sem significados, sem sonoridade, sem enlevos; apenas sons espontâneos, vibrantes, como se fossem um mantra. Meu espírito fica leve como uma pluma, esvoaçando no vapor do banheiro.Este ritual completa meus banhos, que não são diários e nem precisa sê-los. Tenho o laudatório habito de celebrar a vida a cada dia que me é presenteado.

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