sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Recheios de gaveta


Sabe?... aquele velho guarda-roupa, que na verdade não é velho e sim antigo!
Grande, imenso, fabricado com ébano, madeira nobre, em processo de extinção, ocupando toda uma parede do quarto de fazenda, aqueles quartos do tamanho de um apartamento de nossos tempos atuais. Dava para guardar todo o enxoval dos nubentes e ainda sobravam gavetas desocupadas. De um negro brilhante, imune a cupins e outras pragas. Que madeira temperada! Era mais cotada de “Jacarandá da Bahia”! Não acabava nunca, ficava para os netos dos netos.
O tempo passa e os nubentes hoje, são avós. Aquelas primeiras roupas não existem mais, o tempo corrói tecidos e nossa pele, nossa aparência, nossa beleza. Corrói a memória e deixa apenas uma “leve lembrança”; o tempo rói os afetos e os amores; carcome a tenacidade e as vontades; o tempo enche nosso corpo de neuroses e artroses. Os dedos ficam duros e nas pernas, parece que não temos mais a dobradiça do joelho. Transformou-se em ferrolho; não cede nem com “reza forte”. A mente ordena e o corpo não obedece, como se fosse menino malcriado. O banho diário deixa de ser um prazer; é uma tortura necessária; o sabonete não pode cair das mãos, sob pena de ali ficar até que venha alguém para levantá-lo, o que significa, metade do corpo ensaboado e metade não. O triste é quando a “metade não” fica da pança para baixo. Os odores permanecem apenas disfarçados.
Aquele guarda-roupa com vinte gavetas, guarda as lembranças dos primeiros anos de intensa atividade, de produtividade, de empenho e propósito, de C O M P R O M E T I M E N T O. Uma gaveta guarda memórias escritas e outras em forma de objetos de valor afetivo.
Também as gavetas podem guardar desilusões, rancores e queixas. No “podium” posta-se a gaveta que abriga as vitorias, as dificuldades vencidas, as batalhas ganhas e a gloria do dever cumprido. Esta é a gaveta que mais se abre; a que nunca é aberta guarda os fracassos e humilhações que a vida nos reserva. A idade enxerga uma partícula de pó como se fosse uma tempestade de areia no escaldante Saara. Uma ferida aberta que só desaparece quando sob sete palmos de terra.
Alguns guardam os arranhões sofridos por galhos de frondosas arvores que nos tapa o caminho da imensa floresta que somos obrigados a atravessar. Feridas cicatrizam, os caminhos são caminhados e o cansaço é descansado com uma boa noite de sono. Dizem que “olhar para o passado com um olho, e com o outro, para o futuro, só nos deixa vesgos” e piora as coisas para nós. Creio que o mais sábio é olhar, com muita atenção, para o momento atual.
Antes de mergulhar no grande amor de sua vida, tenha como experiência, avassaladoras paixões fortuitas, e assim, saberá reconhecer o verdadeiro amor, quando ele bater à sua porta ou adentrar seu coração. Nada disto deve ir dormir em gavetas, mas, estar sempre ao alcance de sua mão, que a usará para distribuir caricia e ajuda.
A vida é uma só, mas atitudes são incontáveis. Tenha-as; as boas, escolhidas com muito carinho, como se fosse o ultimo alimento a ser dado ao seu filho ou ao seu amor.
Conserve seu guarda-roupa sempre limpo, polido, sem poeiras do passado, sem os arranhões da travessia, sem as marcas dos seus pés, no solo que ficou trás. Abra portas e gavetas, para que recebam a aragem das manhãs primaveris. Tudo deve estar sempre fresquinho e tentador como verduras nas refeições da família.
Á noite envolva seu “roupeiro” com o manto da paixão pela vida temperada por grandes sentimentos, enlevos e compaixão. Deixe-o dormir agasalhado pelo seu amor.
Anchieta Antunes
Gravatá – 07/10/10.

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